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quinta-feira, 28 de julho de 2016

SOFIA AREAL




Visitei o atelier da Sofia Areal (Lisboa, 1960) duas vezes.
A primeira foi mal sucedida: depois de ter adiado diversas vezes a visita, demorei duas horas a encontrá-lo. Era longe, estava um sol desgraçado, o dia tinha corrido mal e visitar o atelier era a última coisa que me apetecia fazer.


Quando cheguei, a Sofia recebeu-me dizendo que só tínhamos 45 minutos. Mostrou-me o atelier rapidamente e adiámos a conversa para a semana seguinte.
Apesar da brevidade, o meu estado de espírito mudou completamente. Todo o cansaço que estava acumulado deu lugar a um entusiasmo muito grande. É impossível sair do atelier da Sofia sem trazer alguma coisa.


Até que surgiu o dia certo, a hora certa em que todas estávamos disponíveis: a visita ao atelier transformou-se num almoço leve e numa conversa tarde dentro.


Agora, nesta segunda visita, a minha percepção sobre a Sofia foi diferente. Se, da primeira vez que nos tínhamos visto, eu estava numa pilha de nervos, agora já me tinha acalmado. O meu preconceito, até quanto à profundidade do trabalho e do que está por trás dele, desfez-se; e ainda bem.


O atelier da Sofia tem dois pisos âmplos (enormes!), luminosos, com cozinha e umas quantas salas de estar às quais chama 'teatrinhos'. Cada uma tem um ambiente diferente, mas todas têm uma vista privilegiada para uma determinada parte do atelier. Seja para trabalhos concluídos, pendurados na parede, emoldurados e prontos para serem vendidos, seja para mesas com trabalhos por concluir, há para todos os gostos.


O piso de cima, aquele por onde se entra, está dividido em inúmeros escritórios com funções diferentes. Há uma zona cheia de livros, outra com muita música - enquanto lá estivemos, o jazz dominou o ambiente - outra para arrumação de papéis, etc, mas sempre com muitos trabalhos seus.


'Tive que aprender a viver do meu trabalho sem abdicar daquilo que me motiva a trabalhar. Sou pintora, vivo disto e tem que haver um equilíbrio entre aquilo que quero mesmo fazer e aquilo que vende. Acho mal trabalhar como uma fábrica, descobrir uma fórmula e repeti-la em cada trabalho só porque é rentável. Mas é importante perceber o que é que passa para os outros e essa é também uma parte do meu trabalho. Não vejo mal nisso, desde que não interfira com a minha base'.


O almoço deixou-me presa a uma série de trabalhos que estavam à minha volta. Ainda não tinha tido tempo para me sentar mais descontraída e, apesar de saber que tinha que escrever este post e a conversa oscilar entre mais leve e mais pesada, abstraí-me muitas vezes, porque o ambiente era acolhedor.


A Sofia tem uma grande consciência de si e do seu trabalho sem nunca entrar em conversas vãs. É o que é, por isso a conversa corre de uma forma limpa. Usa palavras corriqueiras sem se perder em devaneios. 'Eu sou feliz, pintar faz-me feliz, é o meu espaço. Uma vez, tive uma pessoa que me disse que ninguém iria estar acima do meu trabalho. Ela tinha razão, por muito que me tivesse custado admitir; eu vivo para isto'.


Recicla tudo. Não há pequenos trabalhinhos nem coisas que deitou fora. O que não está concluído não vai ser desperdiçado, há-de pintar por cima, há-de deixar o trabalho ali por algum tempo, mas não será deitado ao lixo. 'Gosto de estar aqui no atelier todo o dia, tenho mesmo que pintar'.
Mas, apesar de não ter pequenos trabalhos, tem um armário cheio de pequenas coisas. Cada objecto tem uma história que é só sua e que usualmente transporta para os seus trabalhos. Quando fala de cada um, a voz é mais baixa e o comportamento mais contido. Alguns objectos vieram da casa de familiares, outros foi encontrando; se aquela é a sua essência, não pode ser senão verdadeira.


A Sofia adora festas, adora sair para ir tomar um copo e a sensação que dá é de que vive como quer. Parece ter deixado de viver atormentada e isso percebe-se pelo trato fácil. Tem sempre histórias na ponta da língua e é muito perspicaz. 'Eu já não cultivo a angústia, aquela imagem de artista triste, infeliz, melancólico. Quero ser alegre e ver pessoas alegres! Não vivo sem o atelier, sem pintar, mas também não vivo sem os meus amigos, não!'


Quando descemos ao andar de baixo, a sensação é a de que estamos num salão de festas abaixo do solo. Há, inclusive, um monta-cargas encostado a uma das colunas, que já veio do atelier anterior. Na verdade, a Sofia só ali está há três meses e quando lhe pergunto como tem tantas coisas já tão organizadas em tão pouco tempo, diz-me que gosta de pôr tudo bonito o mais depressa possível, que é esteticamente muito exigente. Às vezes, irrita-a que lhe digam que o seu trabalho é decorativo, que não percebe muito bem, mas se ser decorativo é ser bonito e equilibrado, então terá que aceitar isso como um elogio.


'O meu trabalho tem que ser musculado. Não admito trabalhos moles - além de serem pouco agradáveis, não são meus, não são eu. Se não exigir isso de mim, não tenho prazer em fazer o que faço. A pessoa pode ser criativa sobre imensas formas, a minha é pintura, mas ir à pesca ou apanhar caracóis pode ser a expressão mais adequada para outras pessoas. Mas tem que ser sempre musculada, caso contrário deixa-me frustrada'.


Estar naquele atelier é estar à vontade, mas sempre sob um espécie de tensão estimulante, que é agradável para quem está a trabalhar. A Sofia pintou o chão de amarelo-passadeira-em-obras, dando ao espaço um boom energético. Todo o espaço tem um ar nobre sem ser presunçoso. Há, inclusive, uma pequena colecção de sombrinhas antigas, mesmo à entrada.


Se após primeira visita eu saí estimulada, no final daquela que acabou por originar este post eu senti que tinha conhecido uma pessoa e um ambiente com uma energia muito particular e agradável, da qual me lembro muitas vezes noutros momentos que em nada têm a ver com aquele.


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O site da Sofia Areal é este e o seu Instagram, este

Para ver um vídeo exclusivo, clicar aqui.

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